quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Resposta ao "Connard"

Resposta ao "Connard"

Por: Lúcio jr

 Questionei, outro dia, um tal "communard" por desejar que não se falasse sobre Stálin no Portal O Vermelho, do PC do B. Ele me chamou de "stalinista" e depois cortou minha resposta, o "connard" (bobão, em francês).

Stálin está na história e em boa parte na origem do PC do B, que podemos dizer que se formou ideologicamente em 62. Ele, que se diz sociald-democrata, já me etiquetou de stalinista logo de saída. O texto dele está aqui:


https://ocommunard.wordpress.com/2013/01/22/questionamentos-de-alguns-stalinistas/


Eu decidi não perder tempo com tantos argumentos de um social-democrata. Para ele, a revolução de 17 não deveria ter acontecido, assim como, embora ele poupe Trotsky, ele insiste na tal da revolução permanente ( teoria de Trotsky!!!). Ele é contra Lenin, Stalin e "Trotsky caiu com a URSS", mas se diz comunista. E ainda pontifica que não se deveria falar em Stálin. Por que não largar o PC do B e ir para um partido social-democrata, meu chapa???

O que se pode dizer para alguém assim? Por que há tantos social-democratas, ou seja, liberais reformistas, em partidos comunistas no Brasil? E o pior, para ele, "estatismo" é algo ruim, que o Marx que ele cria só para si (Marx é ele) rejeitava. Mas um social-democrata de verdade é a favor do estado empresário, do estado de bem-estar social.

Ou seja: o bobo "connard"), é um neoliberal fraudador, expert em sofistarias, se escondendo atrás do nome de Marx.

Vejam a que ponto chegamos: as pessoas estão num partido comunista, mas são na verdade neoliberais governistas. E ainda se permitem cobrar dos outros o que pode e o que não pode.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Nova Carta Aberta aos Editores de O Communard



Salvador, Bahia, Brasil

22 de janeiro de 2013


Senhores editores. Gostaria de demonstrar minha gratidão pelo espaço concedido. Fiquei verdadeiramente grato por terem postado minha Carta na integra no vosso portal e pela rapidez da resposta. Também gostaria de advertir sobre o fato de que caso pretendam continuar essa conversa após esta carta talvez minhas respostas passem a demorar um pouco mais e se tornem mais curtas. Já que a partir do dia 28 do corrente mês retomo minhas atividades universitárias. Mas decide aproveitar enquanto ainda tenho algum tempo livre, que costumo ocupar com meus estudos particulares sobre a história do socialismo para esclarecer alguns pontos levantados por vocês em sua resposta ao Lúcio e a mim.

Quando afirmo que pode-se dizer que a palavra stalinismo foi inventada por Trotsky para detratar Stalin isso não tem por base qualquer abstração. Trotsky estava interessado em fazer parecer que Stalin era um usurpado, que não dispunha dos atributos necessários para substituir Lenin na direção do Partido Comunista, que o havia traído e, que ele era, por outro lado, o mais capacitado para isso e o legitimo herdeiro do líder morto. Trotsky usava o termo stalinismo para tentar criar uma fenda entre o Partido Comunista de Stalin e o Partido Comunista de Lenin, que ele denomina como bolchevismo. Escreve um texto chamado stalinismo e bolchevismo onde apresenta essa ideia.

Estou plenamente ciente que a tendência a associar um líder ou autor à determinada corrente política é comum. Porém, a questão é saber se esse autor, ou líder especificamente deva ter a seu nome anexado o “ismo”. Para deixar claro, você afirma o “stalinismo não é uma pecha ou qualquer outra coisa, é apenas a referência usual de associar o autor a uma escola de pensamento que ele defende, o que essencialmente significa aqui, em termos teóricos, a teoria do ‘socialismo de um país só’.” O problema é exatamente que é Lênin e não Stalin quem inaugura essa teoria no campo do marxismo. Devemos chama-la, portanto, de Leninismo. Mas a frente, já nas tantas do texto, vocês afirmam que isso é absurdo. Mas deixemos a questão de provar se Lênin de fato foi o inaugurador dessa teoria mais para frente.

Quanto ao legado de Stalin, a referência a industrialização foi escolhida mais pelo fato de outras correntes políticas serem capazes de reconhecer um caráter positivo nesse feito do que em outro motivo. Mas também citei a vitória do exército vermelho sobre a Alemanha nazista durante a Grande Guerra Patriótica (1941-1945). Tudo que quis dizer é que, no geral, se não se pode denominar nenhuma corrente política especifica como stalinismo, essa denominação só poderia estar ligada ao reconhecimento de qualquer mérito do período de Stalin. Então, seria isso o stalinismo?

E mais. É completamente falso afirmar que o reconhecimento da industrialização de Stalin como um legado positivo do seu regime seja o mesmo de reconhecer o caráter positivo do capitalismo. Ou, para ser mais justo. É bom lembra que Marx reconhece o papel positivo que a burguesia joga como classe revolucionária num primeiro momento de sua acessão. É bom lembrar que no seu programa de dez pontos no final da sessão dois do manifesto comunista Marx apresenta no ponto sete e oito a ideia da industrialização. Também para ele o governo revolucionário deveria estar comprometido com o desenvolvimento das forças produtivas inclusive organizando exércitos industriais de trabalho.

É necessário lembra também que a revolução industrial de Stalin foi um processo titânico sem precedentes. Nunca, nenhuma industrialização se processou de maneira tão rápida e tão autárquica como ela.  Sem essa industrialização muito dificilmente a URSS teria suportado o peso da ocupação alemã e derrotado a Alemanha nazista.

No ponto em que trata de Marx e a Rússia acho que houve uma grave desatenção da parte de vocês ao analisar meu texto. Vejamos. Vocês afirmam “(...) a concentração industrial não é uma medida de ‘grau de desenvolvimento das força produtivas’, em um capitalismo retardatário representa, pelo contrário, o seu atraso, já que não passou por uma fase onde houve grande pluralidade de pequenas indústrias, etc, etc.”. Mas devo lembrar que não estamos em contradição quando ao atraso da Rússia autocrática de 1917. O que afirmei foi “(...) existe uma base sólida para o socialismo marxista na Rússia”. E por que afirmo isso? Porque o aparecimento da indústria e sua rápida concentração gera a formação do proletariado moderno. A concentração industrial na Rússia, em alto nível, da vazão a criação do proletariado moderno, que é, segundo Marx, a força social motriz da revolução socialista.

Outra passagem que me leva a crer que houve uma seria desatenção é o seguinte; “(...) Marx declara como postulado científico de que a revolução comunista é resultado das contradições entre as forças produtivas modernas e as relações de produção capitalistas, se você retirar esse postulado de Marx, você está o acusando de socialista utópico.” E disso conclui “Ícaro afirma que tratar a revolução como fruto das contradições entre as forças produtivas e as relações de produção, apesar de ser uma afirmação de Marx, é uma “análie economicista”, e que esta foi a causadora da degenerescência dos Partidos Socialistas da Segunda Internacional.” Na minha Carta Aberta aos senhores tudo que afirmo é; “(...) afirma-se que o bolchevismo é voluntarista. Que acredita que a revolução é obra de uns poucos escolhidos. E que está em oposição à formulação de Marx de que a revolução é fruto das contradições entre as forças produtivas e as relações de produção. Tal analise economicista foi à motivação da degenerescência dos Partidos Socialistas da Segunda Internacional. A Revolução só pode ter sucesso porque existe essa contradição, mas ela não se resolver por si mesmo, sem o papel das classes sociais, das organizações políticas e dos indivíduos.” Como veem a desatenção fez com que vocês entendessem mal as minhas palavras. Primeiro apresentei a formulação que vocês fizeram segundo a qual existe uma oposição entre o bolchevismo e a teoria de Marx das forças produtivas e em seguida expliquei que a teoria de Marx de tal forma interpretada é o motivo da degenerescência da Segunda Internacional. Logo em seguida afirmo “A Revolução só pode ter sucesso porque existe essa contradição, mas ela não se resolve por si mesmo, sem o papel das classes sociais, organizações políticas e dos indivíduos.” Bem entendido, a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção é o que possibilita as rupturas sociais que engendram a transformação das relações de produção, mas essas rupturas e transformações são tarefas que competem aos homens, partidos e classes sociais executarem. A negação desse papel que compete ao agente político em todas as suas instancias (coletivas e individuais) é a base do economicismo não a teoria das forças produtivas de Marx.

Num dos prefácios de Engels a edições posteriores do manifesto comunista – que vocês acusam Lênin de ignorar – ele relembra a imensa importância política que Marx atribuía ao papel da consciência política e por isso mesmo ao desenvolvimento intelectual dos trabalhadores através de suas experiências políticas. Ele não era, portanto, de maneira nenhuma um espontaneista.

Quanto a ditadura democrática revolucionária dos operários e camponeses. Primeiro é bom salientar que se os bolcheviques ainda se baseavam no lugar comum da socialdemocracia internacional da impossibilidade do socialismo na Rússia antes da vitória da revolução europeia, Lenin com a teoria citada já lançara as bases de sua superação. A ideia da impossibilidade do socialismo na Rússia atrasada, que é o ponto chave da teoria da revolução permanente tem a seguinte lógica. Ela pressupõe que a revolução socialista contrapõe o proletariado à totalidade da nação. E que, portanto o proletariado (entendido como operário industrial) só pode se lançar a revolução socialista quando for a maioria absoluta da população. Dai decorreria, no mínimo, que o marxismo não é a teoria da revolução. Já que está explicito em Marx e em sua lei da composição orgânica do capital que as economias capitalistas mais desenvolvidas tendem a reduzir a sua força de trabalho industrial em proveito da máquina. A teoria da revolução permanente, também se baseia na ideia de que os camponeses representam sempre um bloco contrarrevolucionário que se opõe ao proletariado. A teoria leninista da ditadura democrática revolucionária dos operários e camponeses (que gosto de chamar de teoria da revolução ininterrupta) é nesse sentido uma inovação no corpo teórico do marxismo vigente na Segunda Internacional, mas não em absoluto no marxismo.

“(...) explique o que poderia ser um ‘governo de ditadura democrática revolucionária dos operários e camponeses’?” Atendendo ao seu pedido explicarei o que é esse tal governo. O que achei muito interessante foi sua primeira objeção à teoria leninista da revolução. “(...) como pode haver uma ditadura se é uma democracia?” Referindo-se aos socialistas do tipo da Segunda Internacional Lenin afirma em seu O Estado e a Revolução; “Para estes senhores, a ‘ditadura’ do proletariado ‘contradiz’ a democracia!” Durante todo o texto segue explicando a maquinação teórica através do qual esses socialistas conseguem  essa façanha. No seu A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky escrito no ano seguinte faz o mesmo percurso para rebater o novo adepto da oposição entre “ditadura” e “democracia”.

O procedimento é simples. Os socialistas da Segunda Internacional simplesmente contrapõe o conceito de democracia em geral ao de ditadura em geral e chegam a essa conclusão original. O que eles se abstêm de fazer é a pergunta “que classe exerce a ditadura?” O conceito de ditadura do proletariado de Marx, por exemplo. É obviamente muito mais democrático do que a democracia burguesa, que é a democracia de uns poucos e a ditadura do Capital para os trabalhadores. Dessa forma a ditadura pode ser democrática e qualquer democracia pode ser ditatorial. Se alguém pode ser acusado de introduzir uma confusão na questão da relação entre ditadura e democracia não será Lenin. A palavra ditadura na formula decorre de uma conclusão do próprio Marx de que o governo nascido de uma revolução só pode ser uma ditadura e uma ditadura enérgica. E a palavra democrática faz aqui muito mais referência as tarefas burguesas que ele tem de cumprir (convocação da constituinte, reforma agrária) do que a forma de governo.

Logo em seguida você se questiona “(...)como o governo poder ser operário (revolucionário) se é unido aos camponeses (...)” ? Segundo diz, Marx afirma que os camponeses são em sua maioria reacionários. O que Marx afirma é que os camponeses foram à base do golpe de Estado na França no inicio dos anos 1850. E devido a sua condição de isolamento e o atraso em que vivem não podem propor uma alternativa de poder, devendo apoiar esse ou aquele poder existente e que se originam no capitalismo em grandes centros urbanos. Afirma também que o motivo maior da derrota da revolução na França daquele período foi o massacre do proletariado parisiense entre junho e julho de 1848 e as hesitações políticas da pequena burguesia social-democrática das cidades. Numa leitura mais atenta de 18 de Brumário fica claro que os resultados daquela convulsão social seriam bem outras se o proletariado tivesse conseguido conquistar os camponeses e isolar Luís Bonaparte. 

Além disso, é o próprio Marx quem apresenta pela primeira vez essa ideia. Em uma carta a Engels, datada de 14 de abril de 1856, quatro anos após escrever seu 18 de Brumário, Marx indica que; “A coisa toda na Alemanha dependerá da possibilidade a apoiar a revolução proletária com uma espécie de segunda edição da guerra camponesa. Então a coisa será óptima.”.

Como tudo que ficou tido é claro que a teoria de um governo de ditadura democrática revolucionária dos operários e camponeses, a teoria leninista da revolução, apoia-se no próprio marxismo e não está em contradição com este.

Ao tratar com o problema da insurreição você se questiona como é possível tratar a insurreição como um arte, tal como afirma Lenin. E dá a entender que Lenin não fornece nenhum indicativo para isso. Ao afirmar que a insurreição deve ser tratada como uma arte Lenin não diz nenhuma novidade. Ele simplesmente diz que a insurreição é uma operação militar, ainda que não convencional, e, como tal, é uma arte. A arte militar consiste tão somente no calculo de forças em combate, na boa disposição dos efetivos em luta, no seu posicionamento em pontos estratégicos. Vide que no inicio do texto Lenin lista uma serie de ponto que compõe a arte insurrecional com base na concepção política do marxismo; “Para ter êxito, a insurreição deve apoiar-se não numa conjura, não num partido, mas na classe avançada. Isto em primeiro lugar. A insurreição deve apoiar-se no ascenso revolucionário do povo. Isto em segundo lugar. A insurreição deve apoiar-se naquele ponto de viragem na história da revolução em crescimento em que a atividade das fileiras avançadas do povo seja maior, em que sejam mais fortes as vacilações nas fileiras dos inimigos e nas fileiras dos amigos fracos, hesitantes e indecisos da revolução.” Logo em seguida faz uma comparação entre a situação de 3-4 de julho de 1917 e a de setembro do mesmo anos, tendo por base esses três pontos. Essa é a arte da insurreição.

Quanto ao ponto relativo a interpretação de Marx da experiência da Comuna de Paris e a sua suposta deturpação por Lenin vejamos. Você acredita que a restrição que Lenin atribui às palavras de Marx; “torna extensiva a sua conclusão apenas ao continente” extrapola as palavras de Marx. Mas veja. No prefácio a edição inglesa de 1886 de O Capital, Engels afirma “(...) em tal altura (do aparecimento da revolução social na Europa), terá de se ouvir a voz de um homem (Marx) cuja teoria toda é o resultado do estudo, durante uma vida inteira, da história económica e da situação da Inglaterra, e a quem esse estudo levou à conclusão de que, pelo menos na Europa, a Inglaterra é o único país onde a inevitável revolução social pode ser efetuada inteiramente por meios pacíficos e legais.” Pelo vistos não é somente Lenin quem vê nas palavras de Marx uma restrição ao continente. Pelo contrário, seu companheiro intelectual e de lutas da vida inteira também o vê. Mas adiante você pretende fazer crer que Lenin tenha criado essa falsa restrição para manipular as palavras de Marx e afirmar que a revolução popular podia ser realizada sem a destruição da máquina do Estado. Vejamos o que de fato Lenin deduz dessa restrição; “Em 1917, na época da primeira guerra imperialista, essa restrição de Marx cai: a Inglaterra e os Estados Unidos, os maiores e últimos representantes no mundo da "liberdade" anglo-saxônica, sem militarismo e sem burocracia, se atolam completamente no pântano infecto e sangrento das instituições burocráticas e militares à européia, onde tudo é oprimido, tudo é esmagado. Atualmente, tanto na Inglaterra como na América, ‘a condição prévia para uma revolução verdadeiramente popular’ é igualmente a desmontagem, a destruição da ‘máquina do Estado’ (levada, de 1914 a 1917, a uma perfeição européia, imperialista).” E essas palavras são de quatro parágrafos depois da citação de Marx.

Logo em seguida você comete mais um engano com a obra de Lenin, afirmando que ele “problematiza o termo ‘popular’ apenas para atingir Plekanov o acusando de não saber diferenciar uma revolução burguesa de uma revolução proletária (...)” Mas o que Lenin faz é exatamente o contrário condena Plekhanov e seus pares por não enxergarem nada além dessa antítese e ainda assim de uma forma morta. “(...) os adeptos de Plekhanov na Rússia, assim como os mencheviques, esses discípulos de Struve, desejosos de passar por marxistas, poderiam tomá-la por um ‘engano’. Reduziram o marxismo a uma doutrina tão mesquinhamente liberal que, afora a antítese - revolução burguesa e revolução proletária - nada existe para eles, e, ainda assim, só concebem essa antítese como uma coisa já morta.” São as palavras do próprio Lenin. “(...) segundo essa tese (burgues ou popular), ou a revolução francesa é impossível, porque popular e burguesa ela com certeza foi.” Você afirma no mesmo paragrafo. Essa impossibilidade da revolução francesa só existiria, talvez, de acordo com as suas teses de revolução. “Em compensação, a revolução burguesa na Rússia em 1905-1907, sem ter tido os ‘brilhantes’ resultados da portuguesa e da turca, foi, sem contestação, uma revolução ‘verdadeiramente popular’”. São as palavras de Lenin no mesmo texto, que de maneira nenhuma vê incompatibilidade entre a revolução “burguesa” e “popular”. Segundo ele a revolução russa era, em 1905, burguesa, mas, o seu resultado deveria ser, como já vimos, um governo de ditadura democrática revolucionária dos operários e camponeses (ou, um governo popular). Como fica claro você fez uma enorme confusão na obra de Lenin.

Encerrado esse tópico você se questiona como a Comuna, que realizou a quebra do Estado, poderia criar outro Estado. Bem, você diz que encerra a leitura do texto de Lenin com o titulo do subitem 2 do capitulo III. Deveria ter continuado a leitura que é muito esclarecedora. Nesse item Lenin nos traz também uma citação direta de Marx; “A Comuna foi a forma determinada de república que devia eliminar não apenas  a forma monárquica da dominação de classe mas a própria dominação de classe (...)”. Como se vê Marx ainda compreende a Comuna como Estado e o trata em termos de forma de Estado, “república”. Um Estado de um tipo novo e especial, pois a realização de sua tarefa definitiva leva ao desaparecimento do Estado. Disso Lenin conclui que o Estado Comuna é um novo tipo de Estado, que não é mais Estado no sentido próprio do termo.

Com base em todos esses equívocos e atrapalhações com a obra de Lenin você continua a afirmar que o bolchevismo de alguma maneira contradiz o marxismo. Apela ainda para a teoria das experiências socialistas do século XX como acumulação primitiva do capital. Acumulação que se deu em países já capitalistas. Como explicar por essa lógica a adesão da Checoslováquia, país já industrial antes da adesão ao bloco soviético, também eles realizaram sua acumulação primitiva. Fora isso, ainda resta o inconveniente do planejamento central, do fim da acumulação privada, entre outros elementos que não se coadunam com essa tese. A própria ideia de que a crítica que Engels direciona a Lassalle possa ser transpassada dessa forma tão abrupta as experiências do socialismo real ignora que Lassalle fora adepto da emancipação dos trabalhadores alemães pelo Estado prussiano enquanto a experiências do socialismo real nasce da ruptura com esse.

Como já me estendi demais aqui peço que aguarde. Escreverei mais uma vez. Respondendo a outros questionamentos presentes no texto.

Atenciosamente
Ícaro Leal Alves

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Ficção e História em A Revolução dos Bichos


FICÇÃO E HISTÓRIA EM A REVOLUÇÃO DOS BICHOS
 

 

Valdirene Leite[1]

 

RESUMO

 

 

Nesse texto buscamos um outro olhar não-convencional, sobre o texto A Revolução dos Bichos. Partimos do pressuposto de que George Orwell não apresenta uma narrativa objetiva sobre a União Soviética ao utilizar essa narrativa histórica como base para sua fábula. Nossa hipótese é que a fábula é trotsquista e anticomunista. E assim ela foi utilizada durante a Guerra Fria. Apesar disso, mesmo a esquerda continua a prestigiar o texto e não o aborda em termos mais críticos. Ao analisar que narrativa histórica é essa que Revolução dos Bichos aborda, notamos que é preciso repensar o seu uso em sala de aula, utilizando uma bibliografia a respeito da União Soviética e buscando ser mais objetivo, em especial sobre as dicotomias pobres entre Trotsky e Stálin que o texto A Revolução dos Bichos traz.

 

 

Palavras-chave: Orwell, Revolução dos Bichos, história, União Soviética, ficção, fábula

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

 

            O livro A Revolução dos Bichos, de autoria de Eric Arthur Blair (mais conhecido pelo pseudônimo de George Orwell) (1903-1950), apresenta, através de uma fábula onde os animais falam, uma crítica política totalizante a respeito da revolução russa, supomos, desde 1917 até 1943. O texto, publicado em 1945 no Reino Unido sob o nome de Animal Farm, foca principalmente o governo de Stálin, adotando a hipótese (de origem trotsquista) de que foi durante esse governo que a revolução se perverteu e se burocratizou.

            Nossa hipótese é que a fábula de Orwell apresenta as posições antissoviéticas de Trotsky de forma ilustrada (e vai mais além). Por exemplo: a coletivização de 1933-34 é representa pela situação do moinho de vento. O entusiamo de Bola de Neve pela construção do moinho de vento e a oposição de Napoleão representaria a situação e a discussão na União Soviética na altura de 1926, quando os trotsquistas propuseram a coletivização e ela foi rejeitada.

            Assim, esse artigo buscará lançar um outro olhar sobre a obra de Orwell, considerando que o objetivo de Revolução dos Bichos, de George Orwell, foi traçar paralelos entre o governo do porco Napoleão e o de Stálin, na União Soviética. O objetivo aqui será entender e criticar esses paralelos, assim como entender quais eram, historicamente, as posições de Trotsky e de Stálin, representadas, na fábula, por Bola de Neve e Napoleão, respectivamente. A contraposição entre os dois será objeto de debate nesse artigo. O livro não é isento: tende a defender Bola de Neve, que era Trotsky. Pesquisando sobre história e ligando aos acontecimentos do livro, pode-se dizer que Bola de Neve é Trotsky, Napoleão é Stálin, o animalismo é o comunismo.

 

 

2 Ficção e história em A Revolução dos Bichos

 

 

A hipótese a ser articulada nesse artigo é de que Revolução dos Bichos não é uma alegoria neutra do autoritarismo e sim uma ficção carrega de uma ideologia partidária, ou seja, o narrador onisciente toma partido deliberadamente das explicações históricas de Trotsky sobre a revolução russa. Atualmente, essas explicações históricas são totalmente hegemônicas no Ocidente e formam o chamado paradigma histórico da Guerra Fria. Somente agora, nos anos 2000, esse paradigma está sendo questionado por historiadores norte-americanos como John Arch Getty, Mark Tauger e Grover Furr, e outros russos como Yuri Zhukov, assim como ingleses, como Harpal Brar, dentre outros. Como o artigo é sobre literatura, nos concentramos em recontar a história sem citar exaustivamente esses historiadores e autores, cujas obras estão disponíveis na bibliografia (BAR, 1998, p. 12).

Essa pesquisa permite articular história e literatura e fazer uma leitura, sob um novo olhar, da narrativa de Orwell, uma vez que ela está profundamente atrelada a uma determinada versão da história. Optou-se, nesse trabalho, por lançar um outro olhar, vendo essa narrativa de acordo com outra hipótese sobre a história: a hipótese da vertente maoísta do marxismo-leninismo. Segundo essa vertente, a negação do marxismo-leninismo não ocorreu em 1929 (ou seja, não ocorreu com Stálin) e sim em 1956 (ao tempo de Kruschev). A comparação entre as figuras históricas e os personagens foi a seguinte, segundo Olgário Vogt:

 

O animalismo O socialismo ou o comunismo

O Solar dos Bichos União Soviética

O canto Bichos da Inglaterra A Internacional Socialista

Os porcos A burocracia soviética

Os homens A burguesia

Os animais O proletariado

Sr. Jones O Czar Nicolau II

O Velho Major Marx10

Napoleão Stálin

Bola de Neve (Snowball) Trotsky

As ovelhas A massa alienada

Os cachorros A polícia política (KGB)

Sansão (Boxer) O trabalhador iludido

O corvo Moisés A Igreja Ortodoxa

O porco Garganta (Squealer) A propaganda

A bandeira verde com o chifre e o

casco

A bandeira soviética com a foice

e o martelo (VOGT, 2007, p. 4).

 

Em Revolução dos Bichos, a narrativa histórica de Trotsky sobre os acontecimentos é uma constante em todo o livro. O processo opera do seguinte modo: a coletivização, por exemplo, é apresentada como sendo a passagem que se refere ao moinho de vento na Fazenda Animal. A divergência entre Bola de Neve e Napoleão representa a forma como a coletivização foi motivo de polêmica entre o grupo de Trotsky e o de Stálin. Tal passagem é comentada nos seguintes termos em A Revolução dos Bichos:

 

Bola de Neve estudara atentamente alguns números atrasados da revista O Agricultor e o Criador de Gado, encontrados na casa grande, e andava com a cabeça cheia de planos de invenções e melhoramentos (...). Napoleão não fazia projetos próprios, apenas dizia com toda calma que os de Bola de Neve não dariam em nada e parecia aguardar sua vez. De todas as divergências, nenhuma foi tão grave quanto a do moinho de vento (ORWELL, 2007, p. 43).

 

A narrativa histórica aqui visada é a coletivização da agricultura russa nos anos 30. O problema era o seguinte: embora depois da revolução russa houvesse o fim do latifúndio, continuaram existindo uma classe de fazendeiros ricos (os kulaks) e pequenos proprietários empobrecidos. A solução sugerida por Lênin era a criação de fazendas de produção coletiva. A partir da recusa dos kulaks em vender grãos ao governo soviético, a coletivização começou, em 1926, ainda incipiente.

No entanto, de forma inconseqüente os trotsquistas sugeriram que a coletivização fosse adotada rapidamente. O verdadeiro objetivo da oposição de esquerda era infringir uma derrota ao poder soviético; a coletivização naquelas circunstâncias, quando ainda estava apenas em seu início, provocaria novos e mais violentos boicotes por parte dos kulaks e poderia ser derrotada por eles, pois provocaria desabastecimento e fome. A idéia foi recusada, mas entre 1933-34, depois de uma grande fome na Ucrânia, quando a coletivização já estava adiantada, ela foi posta em prática. Os fazendeiros ricos foram, então, derrotados. A forma como a história aparece em A Revolução dos Bichos dá a entender que Stálin (“Napoleão”) era uma criatura maldosa que apenas roubou as ideias de Trotsky (“Bola de Neve”). As seguintes palavras serviram para finalizar a questão do moinho de vento (que refigura o fato histórico da coletivização):

 

Garganta explicou aos outros bichos, em particular, que Napoleão nunca fora contra a construção do moinho de vento (...). Aí estava a esperteza do camarada Napoleão (...). Ele fingira ser contra o moinho de vento, apenas como manobra para livrar-se de Bola de Neve, que era um péssimo caráter e uma influência perniciosa (ORWELL, 2007, p. 51).

 

            Assim, uma versão histórica do livro de Orwell que oculta que os trotsquistas, em 1926, quiseram colocar, prematuramente, o poder soviético contra os kulaks, o que causaria sua derrota. A conclusão que se tira é exatamente a contrária: a coletivização foi uma idéia de Trotsky roubada por Stálin. Outro indício da tomada de partido é como a polêmica entre a revolução permanente (Trotsky) e a revolução em um só país (Lênin e Stálin) é apresentada:

 

Além da disputa sobre o moinho de vento, havia o problema da defesa da granja. Eles bem que sabiam que (...) segundo Napoleão, o que os animais deveriam fazer era conseguir armas de fogo e instruir-se em seu emprego. Bola de Neve achava que deveriam enviar mais e mais pombos e provocar a rebelião entre os bichos das outras granjas (ORWELL, 2007, p. 45).

 

Acima, a controvérsia entre a revolução permanente e a revolução em um só país é apenas esboçada de forma pouco compreensível. A revolução em um só país foi teorizada por Lênin como conseqüência do próprio capitalismo (a chamada lei do desenvolvimento desigual), afirmando que dificilmente o socialismo venceria em vários países ao mesmo tempo e que era necessário construir o socialismo assim mesmo, mas sem deixar de ajudar a desenvolver o socialismo nas demais nações. Já Trotsky retomava, a propósito da revolução permanente, idéias que ele já apresentara em 1906, quando estava no partido menchevique em oposição a Lênin e aos bolcheviques. Ele condicionava a vitória da revolução na Rússia à vitória da revolução na Europa.

Pode-se dizer que o dilema proposto por Trotsky era aventuras militares ou derrotismo: a Rússia deveria mandar tropas para a Alemanha, ou seja, exportar a revolução ou retornar ao que havia antes de outubro de 1917, entregando o país a um regime burguês. Essa visão foi chamada de bonapartista em seu tempo e rejeitada pela maioria do partido. Não obstante, Trotsky passou a chamar Stálin e seu grupo de bonapartista e fazer uma campanha cada vez mais furiosa contra o poder soviético, culminando em sua expulsão do partido e do país em 1929.

E assim a narrativa prossegue: o papel de Bola de Neve na batalha do Estábulo é a discussão sobre o papel de Trotsky na revolução russa (Krupskaia e Stálin acreditavam que John Reed, autor de Dez Dias que Abalaram o Mundo, exagerou ao dar um papel preponderante a Trotsky). Trotsky aceitou a revolução russa de outubro como condição de que ela fosse o estopim da revolução européia.

            O episódio da fome na Granja dos Bichos é outro exemplo de apresentação da história da revolução russa, e, em especial do período de Stálin, sob a mesma luz. Possivelmente o episódio simboliza a grande fome na Ucrânia entre os anos 1932-33, causada por fatores climáticos naturais e que tornou necessária a coletivização, privilegiando os camponeses pobres em detrimento dos kulaks. Esse episódio da fome é descrito nos seguintes termos na fábula de moral antisstalinista:

 

Napoleão bem sabia dos maus resultados que poderiam advir, caso a verdadeira situação alimentar da granja fosse conhecida, e resolveu utilizar o Sr. Whymper para divulgar uma impressão contrária (ORWELL, 2007, p. 64).

 

            O que ocorreu não foi uma tentativa do governo da URSS de esconder o fato da fome e sim a ampla divulgação da fome por nazistas alemães e reacionários da Polônia e da própria Ucrânia como sendo causada intencionalmente pelo governo da União Soviética como forma de exterminar o povo ucraniano, o chamado “holodomor” (em ucraniano, morte por fome). O pesquisador e historiador Mark Tauger, de West Virginia, estudou recentemente a questão e concluiu que a fome não foi causada pelo governo e sim por fatores naturais. Antes da coletivização, sucediam-se ondas de fome em razão das más colheitas na Ucrânia. Tal fato, no entanto, foi abundantemente usado para fazer propaganda antissoviética. Mais adiante, surge, na Revolução dos Bichos, uma passagem que se referem às conspirações zinovievistas-trotsquistas:

 

Subitamente, descobriu-se um fato alarmante. Bola de Neve estava freqüentando a granja à noite, em segredo ! (...). Napoleão decretou uma ampla investigação sobre as atividades de Bola de Neve. Com seus cachorros na atitude de alerta, saiu e fez uma cuidadosa inspeção nos galpões da fazenda, com os outros animais a segui-lo a uma distância respeitosa. (...). Bola de Neve vendeu-se a Frederick, da Granja Pinch Field, que neste mesmo instante está planejando atacar-nos e tomar nossa granja! (...) Foi o tempo todo, agente de Jones! (ORWELL, 2007, p. 69).

 

O texto acima só pode ser corretamente entendido se for apresentada a narrativa histórica do período do governo de Stálin ao qual essa passagem se refere: embora Trotsky tivesse se exilado do País, ainda tinha grupos fiéis a ele na União Soviética, assim como, desde 1932, ele havia formado um bloco junto com Zinoviev, Kamenev e Bukharin. Começaram a acontecer inúmeros atentados e sabotagens pelo país, causando muitas mortes, entre as quais a do prefeito de Leningrado, segundo na hierarquia soviética. A partir de um esforço de investigação, chegou-se ao grupo de Trotsky, Zinoviev e Bukharin, que ainda tinha muitos integrantes em altos escalões do Estado. Os acusados foram processados nos famosos Julgamentos de Moscou, julgamentos abertos à imprensa internacional e muitos, como Bukharin, foram fuzilados, outros, como Radek, foram condenados à prisão.

De acordo com o historiador norte-americano John Arch Getty, os expurgos que produziram os famosos Julgamentos de Moscou foram mais para poder organizar um sistema de poder que era caótico do que um exemplo de totalitarismo, de acordo com textos como Origens dos Grandes Expurgos (livro inédito em português), do historiador norte-americano Arch Getty. De acordo com esse historiador, até essa época, se alguém era expulso do partido, bastava uma autocrítica verbal para poder voltar. Não foram apresentados, até hoje, documentos comprovando a tortura dos acusados e as falsificações dos chamados Julgamentos de Moscou. E existem, pelo contrário, evidências demonstrando que os julgamentos foram justos. Comentou o historiador Grover Furr (também inédito em português), de Montclair State University (New Jersey) a respeito desse assunto:

 

Durante a última década, muita evidência documental emergiu dos arquivos formais soviéticos para contradizer o ponto de vista canônico desde o tempo de Kruschev de que os réus, nos Processos de Moscou e na conspiração militar do “Caso Tukachevsky”, foram vítimas inocentes forçadas a fazer confissões falsas. Nós publicamos e escrevemos um grande número de trabalhos ou, ao pesquisar para publicar, podemos dizer que agora temos forte evidência de que as confissões não eram falsas e que os réus dos Processos de Moscou pareciam ter sido verdadeiros em confessar as conspirações contra o governo soviético (FURR, 2010, p. 7).

 

Portanto, a narrativa histórica que Revolução dos Bichos supõe não é a mesma que todos os historiadores registram, ou não é neutra como muitos imaginam. Dentre as revelações nos julgamentos, ficou esclarecido que desde 1925 já existiam contatos entre Trotsky e Von Seekt (representante do estado maior da Alemanha); os contatos prosseguiraam e se tornavam mais intensos quando da subida do nazismo ao poder. Hitler às claras anunciou seu ódio ao bolchevismo e a necessidade que o povo alemão tinha de invadir a Ucrânia para conquistar “espaço vital”.

            Jamais foi dito, portanto, que o papel de Trotsky foi negado. Ele foi é objeto de denúncias e revelações. As conspirações, em A Revolução dos Bichos, são tidas como falsas, ou seja, são mostradas como provocações criadas por Napoleão para que ele pudesse conquistar o poder através do terror. Tal constatação pode ser lida no fragmento a seguir:

 

--Alerto a todos os animais desta fazenda para que mantenham os olhos bem abertos. Temos motivos para pensar que alguns agentes secretos de Bola de Neve estão ocultos entre nós neste momento (ORWELL, 2000, p. 71).

 

            A partir daí são descritas imagens de execuções que seriam, no entanto, imotivadas e sem nenhum sentido a não ser perverterem os ideais e a utopia, reforçando a autoridade tirânica de Napoleão (“Stálin”). Pela natureza da relação entre os porcos e Napoleão, pode-se dizer que eles representam Bukharin, Zinoviev e Kamenev:

 

[Os animais]eram os mesmos que haviam protestado quando Napoleão abolira as reuniões dominicais. Sem mais demora, confessaram ter realizado contatos secretos com Bola-de-Neve desde o dia de sua expulsão e haver colaborado com ele na destruição do moinho de vento (...). Ao fim da confissão, os cachorros estraçalharam-lhes as gargantas e Napoleão, com voz terrível, perguntou se algum outro animal tinha qualquer coisa a confessar. As três galinhas que haviam liderado a tentativa de reação sobre os ovos aproximaram-se e declararam que Bola-de-Neve lhes aparecera em sonho, instigando-as a desobedecer às ordens de Napoleão. Também foram degoladas (...). E assim prosseguiu a sesão de confissões e execuções, até haver um montão de cadáveres aos pés de Napoleão e um pesado cheiro de sangue no ar, coisa que não sucedia desde a expulsão de Jones (ORWELL, 2007, p. 73).

 

Assim, reforça-se a tese de que o marxismo-leninismo é idealismo ingênuo e que, quando praticado, leva a uma terrível tirania. Acima, pode-se notar a leitura dos expurgos dos anos 30 e dos Julgamentos de Moscou como o fuzilamento dos verdadeiros revolucionários.

            A teoria que Orwell apresenta, resumidamente ao final do texto, é que as teses stalinistas destruíram as idéias de Marx. Essa mensagem é comentada quando a narrativa trata das distorções nos pensamentos do personagem Major. O cavalo Sansão, por exemplo, pode ser associado ao Bukhárin, ou seja, era um velho companheiro de Stálin. Por fim, o fato final é a Conferência de Teerã, onde debatiam Roosevelt, Churchill e Stálin. A narrativa de Orwell iguala soviéticos e as potências capitalistas nessa conferência. No entanto, nessa época o nazismo ainda não tinha sido vencido. Parece-nos, inclusive, que mesmo que o nazismo esteja representado nessa fábula por Frederik, da Granja Pich Field, pode-se dizer que faltou a Orwell uma melhor compreensão da ameaça que representava o nazismo, em sua pressa de criticar a União Soviética.

            Na Inglaterra atual, assim como no Brasil, é muito comum a presença da obra de George Orwell nas escolas, onde ele é elogiado como um gênio literário, assim como é celebrado como um escritor na linhagem de Swift e outros. A fábula costuma ser lida como sobre “o totalitarismo em geral”.

No entanto, estudos como os de Stephen Spender e Jodi Bar analisam que aquilo que é de fato avaliado em provas (quando o livro é cobrado na Inglaterra) é a habilidade de regurgitar clichês da Guerra Fria. Para que a narrativa de A Revolução dos Bichos funcione, é preciso concordar com a assertiva de que, embora os governantes de hoje sejam ruins, expulse-os e teremos uma nova tirania ainda pior. Esse é, de fato, o pressuposto desse texto. Embora hoje seja tido como crítica ao totalitarismo em geral, o texto de fato tem sido utilizado como propaganda contra Stálin e a União Soviética. Um leitor, ao ler Revolução dos Bichos, passa a pontificar a respeito da história da União Soviética, embora na prática não esteja tendo acesso a uma versão preocupada com a realidade objetiva. Na prática, está apenas repetindo a versão de Trotsky dos acontecimentos da revolução de outubro e do período de Stálin (mas sem saber que a narrativa é partidária). E a versão de Trotsky é a adotada, em geral com ainda mais exageros negativos, pelo chamado paradigma histórico da Guerra Fria, ou seja, o paradigma adotado pelas universidades norte-americanas nos anos 40 e 50, tendo em vista combater ideologicamente os seus inimigos no campo das democracias populares e socialistas.

            E porque o texto seria ainda tão popular e tão recomendado, se a Guerra Fria, na qual ele foi largamente incentivado, tendo sido até objeto de uma adaptação para desenho animado patrocinada pela CIA, terminou em 1989? O fato é que o comunismo ainda é uma ameaça para a sociedade burguesa, com ou sem Guerra Fria. É preciso refutar as calúnias nos livros de Orwell e orientar a juventude a buscar uma visão mais objetiva, distante dos clichês da Guerra Fria, a respeito do que se passou na União Soviética.

 

 

3 REVOLUÇÃO NA REVOLUÇÃO DOS BICHOS

 

 

            Os textos que foi possível encontrar na bibliografia brasileira respeito de A Revolução dos Bichos (Teoria e suas implicações: compreensão da utilização doAnimalismo na Revolução dos Bichos e do marxismo na URSS de Stálin, de autoria de Felipe Fontana, Olgário Vogt) não buscam questionar o paradigma histórico da Guerra Fria, pelo contrário, o confirmam e o acentuam. Em geral, o tom de celebração em torno de Orwell, o mito, é geral. Fontana se baseia em Marilena Chauí, Simone Weil e José Paulo Netto (Chauí e Netto tendem bastante ao trotsquismo) para concluir que o marxismo, no Leste Europeu, tornou-se uma ideologia (no sentido de produzir falsa consciência). Tanto Fontana quanto Vogt não buscam novas pesquisas históricas nem suspeitam da mensagem claramente partidária que é transmitida em Revolução dos Bichos.

Olgário Vogt vai no mesmo sentido, supondo que Orwell está criticando “o totalitarismo em geral”. Mais precavido do que Fontana, diante das evidências do uso da obra de Orwell na Guerra Fria, Olgário insiste em afirma que Orwell era um esquerdista e o defende, afirmando que ele desejava um socialismo “independente”.

Orwell é apresentado, nos livros didáticos ingleses, como um “herói”, um jornalista “independente”, “objetivo”, “imparcial”, assim como é visto como exemplo de intelectual engajado em causas sociais. Nos últimos anos, no entanto, têm sido fortes os questionamentos acadêmicos a respeito do antissemitismo, homofobia e racismo presentes em seu texto. Como escreve a respeito Alberto Escusa:

 

De todos os traços que tinha Orwell, teria que acrescentar alguns que não se comentam e que tiveram grande peso em suas atitudes políticas, como sua fobia contra os homossexuais, seu extremo conservadorismo e seu racismo escondido. Toda a combinação de experiências vividas e concepções sociais nebulosas e abstratas, junto de suas fobias, foram levando rapidamente Orwell a posições marcadamente direitistas, ainda que seguisse formalmente sendo um escritor esquerdista. Um dos traços mais desconhecidos do escritor foram suas manias de perseguição. Segundo Isaac Deutscher, que o conheceu pessoalmente, Orwell vivia em um estado de angústia (...). Essa atitude, junto de sua capacidade de perceber a maneira científica e realista das questões sociais e políticas, o empurraram a converter-se em um colaborador direto do imperialismo inglês. Até o final de sua vida, em 1949, decidiu colaborar com pleno conhecimento de causa com os serviços britânicos de inteligência, o Foreign Office, ou concretamente com o departamento de investigação de informação (IRD) ao qual lhe entregou uma lista de 135 pessoas suspeitas de serem simpatizantes ou companheiros de viagem dos comunistas. Nesta lista, ao lado de nome anotou os principais defeitos de cada um, revelando a natureza racista e homofóbica de Orwell, que tinha interesse em mostrar traços pessoais dos acusados (ESCUSA, 2012, p. 22).

 

O antiimperialismo de Orwell, que sempre os comentadores afirmam que teria advindo de suas experiências como policial na Birmânia, também tem sido posto em questão. Outros elementos de sua trajetória têm sido desmistificados: de origem na classe média alta, Orwell tinha uma arrogância típica das classes superiores inglesas; rejeitava o socialismo realmente existente, mas propondo em seu lugar um “socialismo” vago, que se confundia com desapego cristão. Ele também pregava contra os “marxistas dogmáticos”, no sentido de valorizar a classe média e considerá-la parte dos proletários, assim como propunha o resgate do heroísmo físico, o cavalheirismo, dentre outros valores que ele julgava que estavam sendo esquecidos pelos intelectuais (e que também se aproximam dos valores da classe média inglesa de onde ele se originou). Para escrever seus livros, passou algum tempo, embora bastante rápido, entre os pobres em Paris e Londres, assim como foi, de passagem, às regiões do Norte da Inglaterra. Sobre os pobres tirava conclusões dizendo que sua grande diferença era o “odor”.

Orwell foi à Espanha como jornalista e participante do pequeno grupo de linha trotsquista POUM. No entanto, seu conhecimento da situação política na Espanha era pequeno e seu principal foco era fazer um livro. Orwell colaborou, com o livro Homenagem à Catalunha, para fortalecer a versão dos anarquistas e dos trotsquistas de que a União Soviética e a Frente Popular foram os responsáveis pela derrota da República na guerra civil. O título do livro celebra um levante de anarquistas e trotsquistas contra a frente popular que, na época, foi considerado uma punhalada pelas costas que favoreceu a Franco e a Hitler.

Assim como em A Revolução dos Bichos, Orwell tomou partido pelo trotsquismo Acontece que o trotsquismo é a base de boa parte do anticomunismo ocidental e dos ataques feitos à URSS durante a Guerra Fria.

            Outro ponto que tem sido ressaltado são os conteúdos anticomunistas presentes na obra, principalmente em seus últimos anos de vida, em plena Guerra Fria. Surgiu a denúncia de que Orwell trabalhou, durante a II Guerra, como informante do estado inglês, fazendo listas de artistas que simpatizavam e militavam a favor do comunismo. O ensinamento que fica ao final da leitura de A Revolução dos Bichos é que os homens não são melhores do que os animais. A “natureza humana” decide tudo.

Os valores afirmados em um texto devem ser buscados a partir dos valores afirmados ao seu final. Deve-se, então, analisar a cena final, que se refere à conferência de Teerã, representa o momento em que se reuniram Roosevelt, Churchill e Stálin:

 

Se vossas senhorias têm problemas com vossos animais inferiores, nós os temos com as nossas classes inferiores (...). Doze vozes gritavam, cheia de ódio, e eram todas iguais. Não havia dúvidas, agora, quanto ao que sucedera à fisionomia dos porcos. As criaturas de fora olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um porco para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem, quem era porco (ORWELL, 2007, p. 118).

 

            Orwell age como se estivesse criticando uma esquerda oficial apoiada pela União Soviética e que, junto aos capitalistas e igual a eles, estivesse repartindo o mundo. No entanto, qual era o contexto histórico no ano de 1943 em que Orwell terminou Revolução dos Bichos e tentou publicar esse escrito antissoviético? Os nazistas haviam invadido a União Soviética e matado milhões de russos, arrasando o país. Já havia acontecido a maior batalha da guerra, Stalingrado, mas não se sabia quem venceria o conflito, se a Alemanha nazista ou os soviéticos. Mas o que queria Orwell com seu Revolução dos Bichos? Ele ambicionava acabar com o “mito” da União Soviética como Estado socialista. Mas a quem beneficiava, em 1943, essa postura de Orwell? É curioso como se esquece tão facilmente no Ocidente como a vitória foi obtida com enormes sacrifícios pelo povo soviético e pelo exército vermelho.

            Se em 1943 ainda havia atitudes reticentes quanto à posição de Orwell, a ofensiva contra o socialismo em 1945 as desfez e o mundo ocidental passou a ter uma postura favorável com relação a ele, chegando até ao ponto de mistificá-lo. Os espiões de guerra nazistas foram aproveitados por serviços de guerra norte-americanos, como por exemplo, o general alemão das SS Reinhard Genhlen, cuja rede de espionagem passou inteiramente aos norte-americanos e passou a agir no Leste da Europa. Essa rede foi uma das responsáveis pela rebelião antissoviética em Berlim em 1953 e na Hungria em 1956.

            Em A Revolução dos Bichos, o porco Napoleão é caracterizado como grande, feio, com expressão agressiva e descrito como tirânico, rude, hipócrita, vaidoso, ou seja, (“Stálin”). Bola de Neve é mostrado como jovem, bonito, com expressão inteligente e os seguintes atributos: articulado, inovador, brihante, estrategista, modernizador, idealista (“Trotsky”). Não seria a hora de questionar esse tipo de dicotomia pobre que termina sendo passado como aula de literatura e história? Não chegou a hora de quebrar com esse corporativismo trotsquista que tem protegido Orwell de ser criticado nesses últimos cinqüenta anos?

            Nossa hipótese, portanto, foi de que A Revolução dos Bichos é libelo antissoviético e trotsquista, utilizado largamente como propaganda anticomunista, ao ponto mesmo de servir de base para desenhos animados patrocinados pela CIA. George Orwell, ao escrevê-lo em 1948, estava claramente obcecado por seus escritos antissoviéticos.

 

 

CONCLUSÃO

 

 

            Embora seja muito estudada e lida em sala de aula e na escola, A Revolução dos Bichos é um livro que ainda pede uma releitura crítica. A narrativa histórica na qual ele se baseia é uma narrativa fortemente partidária do anticomunismo, baseada principalmente em Trotsky, embora ele não se apresente assim. Ele é lido como narrativa neutra que é capaz de engajar e de politizar a juventude. Isso precisa ser questionado e uma visão mais objetiva, que não repita, meramente, os clichês da Guerra Fria sobre o período Stálin precisa ser abordada em sala de aula. No Brasil, os trabalhos disponíveis sobre Revolução dos Bichos, com os textos de Felipe Fontana e Olgário Vogt, fixam-se totalmente no mito Orwell, celebrando sem maiores críticas o “clássico”, repetindo elogios a respeito de sua biografia e vida, mas sem aprofundar-se em sua obra. No entanto, na Inglaterra novos estudos sobre Orwell o fazem aparecer sob uma outra luz: antissemita, homofóbico, anticomunista que chegou a trabalhar como informante do Estado em plena Guerra Fria e delatar outros escritores. Igualmente, historiadores como Grover Furr, Arch Getty, Yuri Zhukov e outros estão repensando a narrativa do tempo da Guerra Fria. Como a narrativa sobre a coletização russa dos anos 30 está sendo repensada, é importante verificar como ela foi apresentada em A Revolução dos Bichos. E ela foi apresentada do ponto de vista trotsquista e antissoviética. O texto constrói uma dicotomia pobre entre Stálin (“Napoleão”) e Trotsky (“Bola de Neve”). Não há dúvidas de que o texto tomou claro partido por Trotsky e o anticomunismo. No entanto, os estudiosos brasileiros nunca mostram isso, pelo contrário, dão a essa hipótese o caráter de verdade inquestionável. Nesse trabalho, adotamos a hipótese maoísta, de que o abandono do marxismo-leninismo pela União Soviética aconteceu em 1956.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

BAR, Jodi. George Orwell, Anti-communist Propagandist, Champion of Trotskyism and State Informer. February 1998. Stalin Society. Disponível em: <http://www.stalinsociety.org.uk/ publications.html>. Acesso em 16 de outubro de 2012.

 

 

ESCUSA, Alberto. Quien fué realmente George Orwell? ¿Quién fue realmente George Orwell? Los mitos orwellianos: de la Guerra Civil española al holocausto soviético. Disponível em: <Comunidadestalin.blogspot.com>. Acesso em 13 de outubro de 2012.

 

 

FONTANA, Felipe. A Revolução dos Bichos (Teoria e suas implicações: compreensão da utilização doAnimalismo na Revolução dos Bichos e do marxismo na URSS de Stálin. Revista Urutágua, n. 21, mai./jun/jul./ag. de 2010.

 

 

FURR, Grover. Evidências da Colaboração de Trotsky com a Alemanha e o Japão. Disponível em: <http://clogic.eserver.org/2009/Furr.pdf>. Acesso em 13 de outubro de 2012.

 

 

_______________. Stalin e a luta pela reforma democrática. Disponível em: <Comunidadestalin.blogspot.com>. Acesso em 17 de outubro de 2012.

 

 

GETTY, Arch. The Origins of the Great Purges: The Soviet Party Reconsidered, 1935-1938. New York: Cambridge University Press, 1995.

 

 

ORWELL, G. A Revolução dos bichos. Trad. por: Heitor Aquino Ferreira. 4 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

 

 

TAUGER. B. Tauger, The 1932 Harvest and the Famine of 1933, Slavic Review, Volume 50, Issue 1 (Spring, 1991), 70-89,

 

 

VOGT, Olgário. A Revolução Russa através da Revolução dos Bichos. Revista Ágora, Vol. 13, n. 1, 2007.



[1] Aluna do Curso de Letras, da UNISA, polo Luz/MG.