sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Alguns Problemas do Paradigma Trotskista


Alguns Problemas do Paradigma Trotskista

Comentário ao artigo de Bernardo Cerdeira

Por Ícaro Leal Alves

 

Alguns comentários que elaborei sobre o artigo do jornalista trotskista Bernardo Cerdeira <<Bolchevismo e Stalinismo: um velho debate>>.

            Nesse trabalho Cerdeira desenvolve a velha leitura trotskista da história soviética que pressupõe a ruptura entre o velho bolchevismo de Lênin, revolucionário e democrático, e o <<stalinismo>> do período de Josef Stálin, que seria por sua vez contrarrevolucionário e totalitário.

            Aqui, aponto alguns problemas dessa linha de raciocínio e proponho alguns elementos de reflexão.

A mitologia do “período de Lênin”

O primeiro problema que identifiquei na tentativa de Cerdeira em desvincular o leninismo do stalinismo, ou na sua expressão, o bolchevismo do stalinismo, é a leitura que faz do período de Lênin, que ele identifica como bolchevismo. Para Cerdeira, Stálin teria introduzido um regime burocrático-totalitário, que identifica como stalinismo em oposição ao regime instituído por Lênin e que supostamente se diferenciaria por uma maior liberdade e uma maior democracia para os trabalhadores. Não sei se essa afirmação pode ser considerada como 100% (cem por cento) condizente com a realidade.

            Vejamos como Cerdeira caracteriza o período de Lênin:

Mesmo nos momentos de guerra civil, com todas as óbvias limitações que essa luta implacável impunha, o regime bolchevique de 1917 a 1923 foi extremamente democrático para a classe operária e os setores populares a ela aliados. Apesar de atacado por todos os lados, pelo exército branco e pelas tropas de 14 nações comandadas pelos maiores países imperialistas; apesar de sabotado internamente pelos partidos oportunistas, como os socialistas-revolucionários e mencheviques; apesar de tudo isso, foi o regime mais democrático para a classe operária e para o povo que a história já conheceu.[1]

Como o autor justifica essa tomada de posição sobre o período de Lênin?

porque era baseado em um organismo que era ao mesmo tempo órgão de mobilização e base do Estado operário: os conselhos de representantes dos operários e camponeses (soviets). Segundo, porque o regime soviético garantiu amplas liberdades para a classe operária e o povo, assegurando o direito das organizações dos trabalhadores, sindicatos, comitês de fábrica, etc.[2]

Há um problema que Cerdeira parece não captar nisso tudo. O fato de tais garantias democráticas do regime soviético só existirem enquanto potencialidades. De fato o regime soviético traz em suas instituições muito mais garantias de realização de uma efetiva democracia para os trabalhadores do que o regime parlamentar, mas, no período da guerra civil e imediatamente após ele tais garantias só existiram enquanto virtualidades, ou, mais justamente, potencialidades. Algo intrínseco as formas de organização soviéticas, mas que estavam objetivamente inibidos pela guerra civil.

            Observemos as coisas através de um exemplo prático. Em um artigo publicado no nº 89 do Pravda, em 9 de Maio de 1918, portanto um pouco antes do inicio da guerra, Lênin afirma:

Também aqui é preciso fitar a verdade de frente: a implacabilidade, indispensável para o êxito do socialismo, continua a ser insuficiente entre nós, e insuficiente não porque falte decisão. Temos decisão suficiente. Não sabemos é apanhar suficientemente depressa uma quantidade suficiente de especuladores, de ladrões e capitalistas, de infractores das medidas soviéticas. Porque este «saber» só se cria com a organização do registo e do controlo. Em segundo lugar, não existe firmeza suficiente nos tribunais, que em vez do fuzilamento dos concussionários, os condenam a meio ano de prisão. Ambos estes nossos defeitos têm a mesma raiz social: a influência do elemento pequeno-burguês, a sua frouxidão (LENIN, 1980: 606).[3]

A essa altura Lênin referia-se somente a repressão promovida contra os capitalistas que fugiram as medidas de capitalismo de Estado do Poder Soviético e ainda reivindicava a “combinação dos meios de repressão implacável contra os capitalistas incultos (...) com os meios do compromisso com os capitalistas cultos” (LENIN, obra citada: 606)[4]. Entendendo-se capitalistas cultos aqueles que aceitavam sem resistências as medidas do Estado. Porém a situação da guerra civil mudaria esse quadro de relativa frouxidão das medidas de repressão.

            É bem conhecido o fato de que após o inicio da guerra civil russa e da intervenção militar estrangeira os bolcheviques proíbem o comércio privado dos cereais, instituindo um sistema de cotização do trigo produzido pelos camponeses e de distribuição de rações aos operários. Um dos pilares dessa politica de comunismo de guerra é a violenta repressão a todo comércio privado de cereais, entendido como uma prática capitalista e pequeno-burguesa.

            A forma como os comunistas devem desenvolver a repressão à classe capitalista nos períodos de guerra e de perigo ao Poder Soviético já é indicada por Lênin meses antes em decreto publicado no nº 32 do Pravda, em 22 de Fevereiro de 1918, intitulado, A Pátria Socialista Está em Perigo, onde afirma:

Os operários e camponeses de Petrogrado, Kíev e de todas as cidades, lugares, povoações e aldeias ao longo da linha da nova frente devem mobilizar batalhões para cavar trincheiras sob a direcção de especialistas militares. Nestes batalhões devem ser incluídos todos os membros da classe burguesa aptos para o trabalho, homens e mulheres, sob a vigilância dos guardas vermelhos; fuzilar os que resistam (LENIN, 1980: 479).[5]

Ora, é a situação de pátria em perigo que vai predominar durante todos os anos da guerra civil. E mesmo posteriormente mantem-se conflitos armados entre os soviéticos e os japoneses na cidade de Vladvostoki e mesmo distúrbios militares internos como a sublevação de Kornstrandt. A crise de fome de 1921-1922 é também um elemento de enorme instabilidade política e social.

            Não pretendemos aqui condenar os bolcheviques, muito menos atribuir uma culpabilidade pessoal a Lênin pela crueldade repressora dos primeiros anos do regime soviético. Estamos em total acordo com Cerdeira sobre a necessidade de tais políticas autoritárias para defender o regime soviético e a revolução socialista do terror e do autoritarismo Branco, que é por si muito mais cruel e tem por alvo exclusivo a classe trabalhadora e por objetivo a defesa dos interesses dos patrões capitalistas.

            A questão é que a situação particular da guerra civil russa combinada com a intervenção estrangeira, e até a crise posterior inflaciona o alcance das medidas repressivas até que elas recaem sobre a classe operária. Nesse ponto a proibição do comércio privado de cereais é sintomática. Dados fornecidos pelo próprio Lênin indicam isso. Num artigo publicado no nº 250 do Pravda, em 7 de Novembro de 1919, ele nos fornece dados sobre o aprovisionamento de viveres agrícolas nas regiões urbanas. Dos 714,7 milhões de puds de cereais a disposição da população soviética somente 53 milhões é fornecido pelo Estado, enquanto 63,4 milhões é fornecido pelos traficantes (LENIN, 1980: 205)[6]. Ora, sendo uma medida que assegura o abastecimento de viveres alimentícios ao Exército Vermelho e, portanto, ajuda a classe operária e os camponeses a livra-se da restauração e do terror Brancos a política bolchevique de cereais também reprime pelo terror um setor da economia que é responsável pela maior parte do consumo das massas urbanas e tem inevitavelmente de impor nesse processo o terror sobre essa população, ainda que de forma não planejada. Acontece que a população operária e camponesa apoiava os bolcheviques contra as tropas brancas nas quais via a restauração do terror dos latifundiários e capitalistas, mas também sentiam os limites da política de abastecimento dos bolcheviques e precisava buscar por todos os meios esses viveres, inclusive burlando as leis do Estado socialista.

            Sem falar nas enormes privações do período de guerra que leva a morte por inanição ou pelo frio de uma parte considerável da população operária dos centros industriais e urbanos, enquanto outra é forçada a retornar as regiões rurais em busca de refugio material. O que inviabilizava na prática a democracia operária dos sovietes e mantinha-as, como já afirmei, como potencialidades. Sem falar da supressão efetiva dos Comitês de Fábrica em favor da responsabilidade unipessoal[7]. Esse é um ponto falho do trecho citado do texto de Cerdeira e um exemplo da sua incapacidade de perceber o caráter potencial e não efetivo, da democracia no período de Lênin. Os Comitês de Fábrica efetivamente deixaram de funcionar em favor do sistema de diretor único indicado pelo poder central, e em contrapartida, Cerdeira inclui-os entre as organizações que asseguravam a democracia operária daquele período.

            Os méritos de Lênin não são a realização plena da liberdade e da democracia operária e sim a realização e defesa da revolução socialista. Defesa que se fez através da instauração de uma ditadura enérgica, que por vezes tolhia direitos dos trabalhadores, mas que foi extremamente necessária devida as circunstâncias extraordinárias.

            Dessa forma, se se tem em vista esse quadro do período anterior ao período de Stálin, obviamente que Stálin representa não uma deriva burocrática e totalitária no poder soviético. Para já não falar das enormes limitações do conceito de regime totalitário, o período de Stálin é na verdade o de realização efetiva das potencialidades democráticas do regime soviético. Ao desenvolver a economia socialista, ao livrar milhões de seres humanos da morte pela fome, ao realizar o pleno emprego, ao livra a URSS e o mundo da ameaça nazifascista, ao aprimorar o ordenamento constitucional do regime soviético.

            É claro que essa discussão é muito mais enviesada e problemática do que parece. Mas o que argumento aqui é que a construção da teoria de uma ruptura entre bolchevismo e stalinismo se apoia, e muito, na idealização do período de Lênin. Numa mitologia do período de Lênin.

A hipocrisia do argumento de Trotsky sobre o massacre da velha guarda bolchevique

Outro elemento que me chamou atenção no texto é a utilização do argumento de Trotsky, segundo o qual, o stalinismo não poderia ser considerado um filho do bolchevismo, porque:

Depois da purga, a divisória entre o stalinismo e o bolchevismo não é uma linha sangrenta, mas sim toda uma torrente de sangue. A aniquilação de toda a velha geração bolchevique, de um setor importante da geração intermediária, a que participou na guerra civil, e do setor da juventude que assumiu seriamente as tradições bolcheviques, demonstra que entre o bolchevismo e o stalinismo existe uma incompatibilidade que não é só política, mas também diretamente física.[8]

Depois desse raciocínio só restaria, segundo Trotsky, a pergunta “se o stalinismo é herdeiro do bolchevismo porque teve necessidade de aniquilar fisicamente toda a velha guarda bolchevique para consolidar seu poder?” Mas parece que a situação é mais complicada do que ele pretende, afinal era ele mesmo quem pouco antes havia denunciado que a velha guarda bolchevique afastava-se da revolução e se tornava um grupo apodrecido de burocratas. E pouco antes de ser banido do país reivindicava que a juventude se rebelasse contra a burocracia reinante no Kremlin. Não é estanho que mais tarde, quando essa velha geração de burocratas degenerados é banida por Stálin, Trotsky volte a ver nela o elo com o velho bolchevismo liquidado pelo stalinismo?

O mito do caráter circunstancial da reivindicação de “estatização dos sindicatos e da militarização do trabalho” em Trotsky

A afirmação de que a reivindicação de estatização dos sindicatos e da militarização do trabalho, em Trotsky, tem caráter circunstancial é outro ponto que me chamou atenção no texto. Para Cerdeira esse teria sido um “erro” de Trotsky. Acredito que não. Esse não foi um erro de Trotsky, mas sim algo que estava vinculado a sua própria interpretação do marxismo[9]. Vejamos o que Trotsky afirma sobre isso. No IX Congresso do Partido Comunista da Rússia, em Março de 1920, no relatório em que traça seu projeto ele busca também justifica-lo teoricamente:

“Antes de desaparecer, a coerção estatal atingirá, durante o período de transição, o seu mais alto grau de intensidade na organização do trabalho.”

Quem está familiarizado com o Marxismo sabe muito bem que “período de transição” significa socialismo. Período de transição entre capitalismo e comunismo. Para Trotsky, o socialismo é sinônimo de coerção estatal em seu mais alto grau de intensidade sobre a classe trabalhadora. O que está de em total concordância com a interpretação economicista que Trotsky faz do marxismo.

Outro elemento interessante se encontra nessa passagem do mesmo relatório:

A militarização é impossível sem a militarização dos sindicatos como tais, sem o estabelecimento de um regime no qual cada trabalhador se considere um soldado do trabalho que não pode dispor livremente de si mesmo; se ele recebe uma ordem de transferência, deve executá-la; se não a executa, será um desertor que deve ser punido. Quem cuida disso? O sindicato. Ele cria o novo regime. É a militarização da classe operária (TROTSKY apud BETTELHEIM, 1979: 351).[10]

Para Trotsky o sindicato, mais precisamente, o sindicato militarizado, cria o novo regime, o socialismo. Isso não é só uma proposta burocrática de socialismo, mas também, combina-se ao desvio para o sindicalismo.

            A posição de Trotsky quanto a militarização do trabalho e dos sindicatos não é de maneira nenhuma um erro, mas parte fundamental de seu pensamento. É claro que mais tarde, quando já estava banido, Trotsky lança seus berros contra o regime de trabalho instituído por Stálin na URSS. Mas isso só é prova de que a politica que desenvolve é hipócrita. Quando dispondo do poder, o ex-comissário elaborou uma proposta de organização do trabalho que se baseava, não só na aniquilação de toda autonomia dos trabalhadores no processo de produção, mas também aniquilação de suas garantias civis o transformando num “soldado do trabalho que não pode dispor livremente de si mesmo”.

Lênin e o Problema do Socialismo em um só país

Outra questão muito delicada no texto é a tentativa de assimilação entre trotskismo e leninismo sob o signo do bolchevismo que se opõe ao stalinismo burocrático. Segundo Cerdeira:

O primeiro a lutar contra a burocratização foi o próprio Lenin. Foi seu último combate, só interrompido por sua morte em 1924. A bandeira da luta contra a burocracia foi arrebatada pela Oposição de Esquerda, dirigida por Trotsky que a sintetizou em forma de programa político de transição na luta pela Revolução Política, uma das bases para a fundação da Quarta Internacional.[11]

A luta de Lênin contra a burocracia merece ser tratado com muita seriedade. Merece um artigo inteiro para estuda-lo. Quanto à luta de Trotsky, o exemplo dos sindicatos é bem significativo do valor dessa luta.

            Mas outra forma de assimilação entre as duas teorias que merece mais atenção é a afirmação de que nem Lênin nem Trotsky “pensaram que seria desejável ou mesmo possível qualquer tipo de desenvolvimento “socialista” num só país.”[12] O que não é verdade. Para confirmar essa tese Cerdeira só fornece uma citação de Lênin que vai retirar do livro de Trotsky que é, portanto, pouco fiável e nem se quer serve como prova de que Lênin não pensava em um desenvolvimento socialista em um só país; “Tendo conquistado o poder, o proletariado russo tinha inteira chance de mantê-lo e impulsionar a Rússia através da vitoriosa revolução no Ocidente.”[13] Essa citação só serve para comprovar que Lênin acreditava que a vitória da revolução no Ocidente poderia impulsionar a Rússia proletária na edificação do socialismo, não que ela era seu pressuposto. Por outro lado, Lênin fala abertamente do socialismo em um só país nesses termos já em 23 de Agosto de 1915, portanto, antes mesmo da Revolução de Outubro:

A desigualdade do desenvolvimento económico e político é uma lei absoluta do capitalismo. Daí decorre que é possível a vitória do socialismo primeiramente em poucos países ou mesmo num só país capitalista tomado por separado.

E traça o programa da revolução socialista vitoriosa em um só país:

O proletariado vitorioso deste país, depois de expropriar os capitalistas e de organizar a produção socialista no seu país, erguer-se-ia contra o resto do mundo, capitalista, atraindo para o seu lado as classes oprimidas dos outros países, levantando neles a insurreição contra os capitalistas, empregando, em caso de necessidade, mesmo a força das armas contra as classes exploradoras e os seus Estados (LENIN, 1979: 571)[14].

Assim a primeira tarefa do novo Estado Operário isolado é a de “expropriar os capitalistas e de organizar a produção socialista no seu país”. Lênin aparece aqui como o pai da teoria do socialismo em um só país, e até onde se queira da coexistência pacífica, já que a passagem para o conflito direto com o mundo capitalista pressuponho um largo tempo no qual será possível organizar a produção socialista. O pensamento de Lênin estaria muito mais identificado com o que se costuma chamar de Stalinismo do que com o Trotskismo. Já que a posição que Trotsky – em plena maturidade política – expõe; é:

Foi precisamente durante o intervalo transcorrido entre 9 de janeiro e a greve de outubro de 1905 que esses pontos de vista – posteriormente conhecidos como teoria da "revolução permanente "– amadureceram na mente do autor. Esta expressão um tanto presunçosa, revolução permanente, pretende indicar que a revolução russa, embora diretamente relacionada com propósitos burgueses, não podia deter-se em tais objetivos: a revolução não resolveria suas tarefas burguesas imediatas sem o acesso do proletariado ao poder. E o proletariado, uma vez que tivesse o poder em suas mãos, não poderia permanecer confinado dentro do modelo burguês da revolução. Pelo contrário, precisamente como objetivo de garantir sua vitória, a vanguarda proletária – nos primeiros estágios de seu governo – teria que fazer incursões extremamente profundas não apenas nas relações da propriedade feudal, como também nas de propriedade burguesa. Ao fazer isso não apenas entraria em conflito com todos aqueles grupos burgueses que a tinham apoiado durante as primeiras etapas da luta revolucionária, mas também com as grandes massas do campesinato, cuja colaboração teria levado o proletariado ao poder.

As contradições entre um governo dos trabalhadores e uma esmagadora maioria de camponeses num país atrasado só poderiam ser resolvidas em escala internacional, nos limites de uma revolução proletária mundial.

A data é 12 de Janeiro de 1922 e Trotsky afirma:

Apesar dos doze anos transcorridos, essa análise foi completamente confirmada.[15]

O que tem tudo isso a ver com o Leninismo. Acaso Lênin teria abandonado suas posições iniciais em favor das posições de Trotsky. Vejamos o que diz o líder da revolução, em um dos seus últimos escritos:

Todos os grandes meios de produção em poder do Estado e o Poder estatal nas mãos do proletariado; a aliança deste proletariado com os muitos milhões de camponeses e muito pequenos camponeses; a garantia de que o proletariado dirija os camponeses, etc. Acaso não é tudo isso necessário para que, com a cooperação e apenas com a cooperação, que antes designamos como mercantilista e que agora, sob a orientação da NEP, merece também de certo modo a mesma designação, acaso não é tudo isso necessário para construir a sociedade socialista completa? Não é ainda a construção da sociedade socialista, mas realmente é tudo necessário e suficiente para esta construção – o grifo é nosso. (Lênin, 1980B: 657-658).[16]

Pois bem, a data é 6 de Janeiro de 1923, e Lênin fala que a Rússia da NEP dispõe de tudo que é suficiente para a construção do socialismo. Fala de aliança entre os proletários e os milhões de camponeses e muito pequenos camponeses. Enquanto Trotsky fala de impossibilidade de resolução dos problemas da revolução russa na arena nacional. Fala de coalisões hostis entre o Estado dos operários e a massa camponesa atrasa. Fala de “contradições entre um governo dos trabalhadores e uma esmagadora maioria de camponeses” só solucionáveis na arena internacional. São dois pensamentos diametralmente opostos. Outro exemplo disto está no próprio texto. Cerdeira cita essa passagem que é característica do pessimismo politico de Trotsky:

Se o povo europeu não se insurgir e derrotar o imperialismo, nós deveremos ser esmagados, isto é indubitável. Ou a Revolução Russa consegue fazer eclodir a luta no Ocidente, ou então os capitalistas do mundo inteiro sufocarão a nossa revolução.[17]

Essas são algumas das minhas considerações sobre o texto “Bolchevismo e Stalinismo; um velho debate”.

Conclusão

Sem se ater aos dados empíricos da história da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas disponíveis os trotskistas vêm, baseando-se nos escritos de Trotsky sobre a Revolução Russa e seu desenlace, escritos que são extremamente lisonjeiros para si mesmo, contribuindo para fortalecer mitos sobre o que se passou na URSS dos anos 1930. Mitos que tem servido para fortalecer a leitura feita pelos Estados ocidentais do período da guerra fria, onde Stálin é sempre visto como o propulsor de uma ruptura com o marxismo revolucionário (bolchevismo) do período de Lênin. Se faz necessário contrapor a essa leitura uma que se atenha melhor aos dados históricos e possa assim questionar o pensamento único vigente nas leituras históricas.



[1] Bernado Cirdeira; Bolchevismo e Stalinismo um velho debate <<http://revistaoutubro.com.br/blog/edicoes-anteriores/revista-outubro-n-3/>>, consultado em 25 de Outubro de 2012.
[2]  Obra citada
[3] Vladimir Lênin, Acerca do Infantilismo “de Esquerda” e o Espirito Pequeno-Burguês, páginas 592-613 (citação na nota de rodapé da página 606) in V.I. LENIN OBRAS ESCOLHIDAS EM TRÊS TOMOS; V. 2. – São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1980. Também disponível em <<http://www.marxists.org/portugues/lenin/1918/05/05.htm>>.
[4] Vladimir Lênin, Acerca do Infantilismo “de Esquerda” e o Espirito Pequeno-Burguês, páginas 592-613 in V.I. LENIN OBRAS ESCOLHIDAS EM TRÊS TOMOS; V. 2. – São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1980. Também disponível em <<http://www.marxists.org/portugues/lenin/1918/05/05.htm>>.
[5] Vladimir Lênin, A Pátria Socialista Está em Perigo, páginas 479-480 in V.I. LENIN OBRAS ESCOLHIDAS EM TRÊS TOMOS; V. 2. – São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1980. Também disponível em << http://www.marxists.org/portugues/lenin/1918/02/22.htm>>.
[6] Vladimir Lênin, A Economia e a Política na Época da Ditadura do Proletariado, páginas 202-209 in V.I. LENIN OBRAS ESCOLHIDAS EM TRÊS TOMOS; V. 3. – São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1980. Também disponível em <<http://www.marxists.org/portugues/lenin/1919/10/30.htm>>.
[7] Charles Bettelheim, Luta de Classes na União Soviética: Primeiro Período: (1917-1923), A; – 2ª Edição – a tradução de Bolívar Costa, revisão técnica de Sérgio Silva. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. Páginas 141-145.
[8] Trotsky apud Cerdeira, Bernado Cirdeiro; Bolchevismo e Stalinismo um velho debate <<http://revistaoutubro.com.br/blog/edicoes-anteriores/revista-outubro-n-3/>>, consultado em 25 de Outubro de 2012.
[9] Na entrevista ao Jornal da Verdade de 21 de Setembro de 2011 o historiador Grove Furr define assim o marxismo de Trotsky “um tipo de determinismo econômico extremado – predizia que a revolução estava fadada ao fracasso a não ser que fosse seguida por outras revoluções nos países industrialmente avançados.” << http://averdade.org.br/2011/09/acusacoes-de-kruschev-contra-stalin-sao-falsas/>> Consultado em 25 de Outubro de 2012.
[10] Charles Bettelheim, Luta de Classes na União Soviética: Primeiro Período: (1917-1923), A; – 2ª Edição – a tradução de Bolívar Costa, revisão técnica de Sérgio Silva. – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
[11] Bernado Cirdeira; Bolchevismo e Stalinismo um velho debate <<http://revistaoutubro.com.br/blog/edicoes-anteriores/revista-outubro-n-3/>>, consultado em 25 de Outubro de 2012.
[12] Obra citada
[13] Obra citada
[14] Vladimir Lênin, Sobre a Palavra de Ordem dos Estados Unidos da Europa, in V.I. LENIN OBRAS ESCOLHIDAS EM TRÊS TOMOS; V. 1. – São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1979. Páginas 569-572. Também disponível em << http://www.marxists.org/portugues/lenin/1915/08/23.htm>> Consultado em 25 de Outubro de 2012.
[15] Leon Trotsky , prefácio à edição de 1922 do livro A Revolução de 1905, <http://www.marxists.org/portugues/trotsky/1907/rev_1905/prefacio.htm, consultado pela última vez em 29 de junho de 2012.> consultado em 25 de Outubro de 2012.
[16] Vladimir Lênin, Sobre a Cooperação, in V.I. LENIN OBRAS ESCOLHIDAS EM TRÊS TOMOS; V. 3. – São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1980. Páginas 657-662.
[17]  Trotsky apud Bernado Cirdeiro; Bolchevismo e Stalinismo um velho debate <<http://revistaoutubro.com.br/blog/edicoes-anteriores/revista-outubro-n-3/>>, consultado em 25 de Outubro de 2012.

3 comentários:

  1. Oi, Icaro. Assim que puder, critique esse tb. Eu vou criticar no meu blog tb;

    http://www.materialismo.net/2012/11/luiz-sergio-n-henriques-no-marxismo-de.html

    Abs do Lùcio Jr.

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  2. Olá camarada Lúcio. Acabo de ler a resenha de Luiz Sérgio Henriques sobre o livro de Hoxha. Com certeza apresentarei minhas críticas a ela. É pena que um homem da estatura intelectual L. S. N. Henriques não tenha conseguido apresentar contra a "caricatura" Enver Hoxha mas do que adjetivações ao invés de uma argumentação lógica. Pena também que ele não tenha visto no líder revolucionário albanês mais do que o propagantista de uma seita totalitária e não seja capaz de compreender que na história da luta pela democracia o combate ao nazi-fascismo joga papel maior que o palavrório sobre a sociedade civil.

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  3. Ahhh. Aguarde a postagem da minha resposta ao texto do L. S. N. Henriques.

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